Márcia é a esposa do Paulo, a mulher que mora longe do centro, é apaixonada pelos animais de estimação e gosta de refugiar-se, às vezes, um pouquinho longe da cidade.
É também a mulher que não precisa de companhia para ir a um show de heavy metal, se assim lhe der na telha. É, especialmente, voz que nos remete e aproxima, pouco acostumados que somos, à música clássica e ao lírico. E que, ao bom exemplo da variedade, admira Sergio Reis, Almir Sater, Chico Buarque.
Certa vez ao me referir a Márcia Kaiser, troquei seu sobrenome para “Soprano”. O tal “ato falho” desde então fez com que, por medida de brincadeira e verdade, eu passasse a me referir à artista como Márcia Soprano Kaiser. Assim, devidamente acomodados entre nome e sobrenome de batismo, o leve, o cálido e o lírico que, para mim, a representam tão bem como cantora e figura feminina.
Márcia é assim, aguda como sua voz. Porque como artista não recusa oferecer o vigor necessário para romper com linearidades. Seu canto é verdadeira emissão, porque se refere a uma voz que entra em contato com o ar trazendo como em bruma sua alma, território de graves e gumes. E se buscamos falar mais de afiação, já que sua afinação soa indiscutível, esteve em causa pensar a música como modo de penetrar no espaço do coletivo e também no espaço de cada indivíduo.
No espaço-tempo, a conversa nos levou para a Idade Média, para falar da mitologia, dos libretos, das operas de cortesã, do estudos de idiomas e da poesia, da música e da literatura como instrumentos de crítica e transformação social. No espaço-ser, a conversa nos levou a entender que, para Márcia, doar-se no aspecto emocional é o que torna possível que um artista alcance com verdade as pessoas.A emissão de que falamos, portanto, ultrapassa a distância alcançada pelas cordas vocais, prolongando-se o mais possível até ser ouvida enquanto silêncio. Se o canto é energia, há que se ter em conta a ousadia que é mexer com moléculas, unidades mais delicadas do ser.
Márcia confessa que ao final de alguns projetos seu cansaço é imenso – ora, como poderia sair impune dessa intensa transmutação que a faz sentir completa?
Sua voz ocupa de modo marcante, mas nunca agressivo. Somos inebriados por um canto que se eleva sutil como, arrisco dizer, o vapor que se eleva de uma xícara de chá quente. Como se voz, pudesse ser enxergada, nos conduzisse por movimentos orgânicos como água em condições distintas de temperatura. Porque, aliás, o domínio das técnicas e a disciplina nos treinos buscam tornar o cantar cada vez mais próximo ao orgânico.
O respeitar os tempos dos músicos, colocar-se como parte do conjunto e nunca perder a modéstia no trato com a própria arte são também destaques em nossa conversa.
Modéstia é, a propósito, uma das característica de Márcia já que, referida por nós, pelos amigos próximos e por muitos do público como “diva”, suas palavras rumam sempre para o tema dos valores distanciando-se da auto-valorização embora a auto-confiança, explica, seja algo muito importante no palco. Porque o palco é lugar de entrega. Atenta à importância de assimilar as características de cada personagem, Márcia relembra sua atenção ao gestual.
O gestual, nesse caso, parece tratar-se dos movimentos do corpo e de gestos simbólicos já que para ela cada personagem é uma nova pétala, um novo modo de ver a vida. Nisso que toca na dimensão espiritual, o sagrado na música, para a artista, pode ser alcançado também pelo popular – o que importa é haver entrega, catarse. Porque para Márcia, ser artista é não se recusar a comparecer ao desafio de transmitir intenções e sentidos. Nisso, vai fundo. Confessa, como já não tivéssemos plena certeza, que o cantar lhe faz ir para outra dimensão. Antecipando o nosso riso pela esquisitice suposta, ela cochicha que nessa história de transportar-se a outros estados, chega algumas vezes a ver cores enquanto canta.
Márcia senta-se ao piano e nos presenteia com sua voz, coisa que, aliás, com generosidade não se recusa a fazer para atender aos pedidos daqueles que em espaços públicos, reuniões e festas lhe pedem que, por favor, cante um pouco para a gente.
Fecho meus olhos. Marcia, a cor que vejo é a cor é azul. Azul celeste.
Cantar é como respirar, por isso canto, ela diz. Isso talvez explique um tanto a naturalidade com que permite-se. Isso talvez explique um tanto o divino que me faz remeter seu canto ao tom principal da paleta do paraíso.
Foto: Paulo Andrade
Verbo: Andressa Barichello
Fotoverbada: Marcia Kaiser
Agradecimento: James Henrique Castro
Verbo: Andressa Barichello
Fotoverbada: Marcia Kaiser
Agradecimento: James Henrique Castro






















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